NOTA DA SEMANA: À conversa com o “Prof. Mendes Ferrão”

Nos últimos tempos o Diretor d’A Comarca trocou com o ilustre Prof. Mendes Ferrão correspondência vária, através da qual diversos assuntos da Região, e não só, eram alvo de uma reflexão profunda e sabedora pela insígne personalidade que agora nos deixou.

Desde a história da criação da “Corporação” dos Bombeiros Voluntários de Coja, passando pela Escola Preparatória dessa mesma localidade, a Pista de Aviação no Plano de Defesa dos Fogos Florestais, o Emparcelamento das terras das margens da ribeira da Mata entre o Pisão e Coja, a criação da zona de pesca desportiva no Rio Alva, os Baldios e depósitos de barro do Batifol, entre outros temas, todos eles foram alvo de apuradas “conversas”.

De igual modo, foi-me entregue, a título pessoal, alguma documentação trocada com o saudoso João Castanheira Nunes, Diretor emblemático deste centenário Jornal, e que tanta preocupação partilhavam, conjuntamente com o Prof. Coimbra, pela necessidade de desenvolvimento da Região.

Não podendo dar à estampa as cartas recebidas, e o conhecimento nelas partilhado, posso no entanto publicar uma das cartas que remeti como forma de homenagem ao Homem de nome José Eduardo Mendes Ferrão.

“Ex.mo Sr. Prof. Doutor José Eduardo Mendes Ferrão

Depois de ler, e reler, a sua missiva, por sinal rica de informação e, acima de tudo, de conhecimento, as minhas palavras aqui insertas pouco valerão perante a dimensão do meu amigo, pois assim o estimo e considero.
A diferença de idades entre nós é deveras significativa, mas mais significativa é a dimensão pessoal do Prof. Mendes Ferrão, como muitos o reconhecem, perante a minha parca vida nestas andanças.
Tenho tentado fazer algo mais p’la A Comarca de Arganil, o que, diga-se em abono da verdade, não tem sido fácil, especialmente quando assumimos opiniões, ou linhas de pensamento, que muitos dos que nos rodeiam não aceitam.
Tenho pena que se tenha perdido muita coisa nas últimas décadas, especialmente porque parte dessa perda foi suportada em preconceitos ideológicos, os quais impedem que seja feita justiça a Homens Bons e visionários, independentemente dos quadrantes sociais e políticos a que pertencem.
Quero crer que o meu amigo, com a devida vénia, é um Homem Bom, e certamente não lhe terá faltado a visão sobre alguns dos assuntos que ainda hoje nos vão apoquentando, os quais já tinham soluções identificadas no passado, mas que, e apenas por falta de humildade, não foram implementadas por quem de direito.
Registo, perante si, que depois de ler a sua carta pessoal, fiquei mais conhecedor da história contemporânea da nossa região, outros se dessem a esse trabalho e estou certo de que muitas “alarvidades” não seriam expressas, ou sequer pensadas…
Contudo, lançou-me um repto que é deveras difícil de gerir quando diz “Muito agradecido lhe fico se guardar para si estas informações – estar informado é bom, guardar para si é expressão de sabedoria”.
Que dilema me causou, que transtorno moral me coloca, afinal saber e nada dizer, perante a ignorância de terceiros, é fardo deveras pesado.
Serei eu incauto se não partilhar do conhecimento de que me dotou?
Esteja certo deque a palavra vale muito, pelo menos para mim, e os conselhos de quem é sábio são uma gentil fortuna colocada ao dispor de quem os recebe.
Dito isto, em momento oportuno o conhecimento que comigo partilhou deve vir à estampa na Comarca, mas apenas e só, quando de si tiver a autorização que se impõe, ou, em alternativa, quando de si restar a memória e eu, entenda-se, ainda por cá andar com a permissão de Deus.
No entanto, uma questão gostava de lhe dirigir, e apenas porque um amigo comum, o Prof. José Dias Coimbra, em tempos me falou disso.
E que questão é essa?
Ora bem, nada de complexo ou fastidioso. Segundo o comum amigo, este disse-me que o Prof. Mendes Ferrão teve um papel interventivo na questão da Mata da Margaráça, sendo crucial o seu apoio para que esse espaço natural tivesse sido protegido.
Contudo, e na carta que me remeteu, verifico que em parte alguma alude à Mata da Margaraça.
Terá sido por esquecimento, ou simplesmente os “louros” serão de outros?
Peço-lhe, não tenha pejo em elucidar-me, pois, mais uma vez lhe digo, tenho-o em estima e consideração e com os mais velhos, sei-o por maneira de encarar o mundo, é que se aprende.
Desejo-lhe muita saúde e a coragem para que se mantenha ativo e atento, as suas correções, com a gentileza com que as coloca, ganham dimensão que nenhuma força atabalhoada era capaz de conseguir, estando certo que acolhi os seus conselhos e orientações.
Embora não controlando tudo e todos, aqui no nosso jornal, estarei mais atento no uso da palavra Coja, mas saiba que não é fácil, desde logo, por força dos intelectuais do burgo que se acham capazes de escrever como bem lhes provém.
Com estima, e amizade
13 de Outubro de 2021
Nuno Gomes
(Diretor d’A Comarca de Arganil)”.