Sempre considerei que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um pilar da nossa Sociedade, sendo uma das mais importantes conquistas da Democracia.
Contudo, o Serviço Nacional de Saúde, no meu entender, não pode existir desgarrado de um verdadeiro Sistema Nacional de Saúde, capaz de contemplar a oferta dos Setores Privado e Social, numa lógica de complementaridade.
Infelizmente, para a agora Ministra demissionária, Marta Temido, os Setores Privado e Social não tinham lugar na sua conceção dos cuidados de saúde a prestar aos cidadãos portugueses, o que, invariavelmente, deu origem a uma perda de capacidade de resposta, também por força da Pandemia, do Setor Público face às necessidades das populações e nunca, como agora, a procura de seguros de saúde privados foi tão elevada, o que não deixa de ser paradoxal.
Talvez por isso, uma das críticas lançadas à Ministra que agora se presta a sair do Governo, tenha sido a de que os Privados, escorraçados das parcerias público privadas que o Tribunal de Contas considerou geradoras de poupança para o erário público, contribuiu para engrossar o recurso aos hospitais privados por falta de resposta dos hospitais públicos, isto para quem tinha recursos para o realizar.
Contudo, importa dizer que Marta Temido foi uma defensora acérrima do Serviço Nacional de Saúde, não lhe podendo ser colado o rótulo de ter esquecido o Serviço Público, antes pelo contrário, pois nunca o Setor Público, no campo da saúde entenda-se, teve tantos profissionais e recursos financeiros como hoje.
Mas Marta Temido foi o rosto de uma política de asfixia de todos os outros prestadores de cuidados de saúde, designadamente os provenientes do Setor Social, onde a estratégia foi sempre a de reduzir os valores convencionados e contratualizados, através da não atualização dos mesmos a cada ano que passava, para que esses prestadores, lentamente e gradualmente, fossem saindo de cena.
E o exemplo disso sucedeu na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, onde várias unidades encerraram por falta de viabilidade económica, face ao aumento de custos e as permanentes exigências da Administração Pública que nunca cuidou de acompanhar essa postura com a atualização efetiva dos valores dos contratos em causa.
Como resultado, assistimos a uma degradação do acesso a cuidados de saúde, fruto de um modelo mais próximo, ideologicamente falando, dos regimes comunistas do que propriamente das democracias ocidentais.
Por outro lado, e também em abono da verdade, a saída de Marta Temido não se deveu apenas a essa visão redutora e estatizada da prestação de cuidados de saúde, mas de igual modo à constante luta de diversas categorias profissionais no Serviço Nacional de Saúde.
A esse propósito procurei na minha memória o percurso de diversos Ministros da Saúde de vários quadrantes políticos e não encontrei nenhum que tenha abandonado, ou saído do cargo, sem que estivesse em rutura, ou desgastado, com uma, ou várias classes profissionais.
Ora, isso deve fazer-nos refletir sobre os verdadeiros motivos para que existam determinadas classes profissionais que conseguem ter mais força do que os Ministros que as tutelam, inviabilizando reformas e mudanças.
Acredito que não será uma reflexão fácil, até porque com a saúde todos nós temos muito respeitinho, e receio…
Dito isto, discordo da forma como a Ministra Marta Temido tratou vários operadores da área da saúde, patrocinando uma Lei de Bases da Saúde que os ostracizou e diabolizou, como se fossem estes as razões para os problemas do Serviço Nacional de Saúde, mas reconheço que não teve tarefa fácil na relação com algumas classes profissionais e foi o rosto visível no combate à Pandemia.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)