
Elaborei esta Nota da Semana durante a noite de 29 de Agosto, aproveitando um momento de reflexão lançado pelo odor a queimado que ainda vai sufocando quem vive próximo das zonas afetadas pelos incêndios de alguns dias atrás e que o vento vai trazendo serra abaixo…
Esse odor, esse cheiro nauseabundo, lembra-me as noites em que as chamas devoravam as serranias da nossa região, ao mesmo tempo que impedia que tantas pessoas das aldeias assustadas com o demónio de chamas pudessem usufruir do sono dos justos.
Contudo, parece que para alguns o incêndio de Arganil, ostentado como o maior incêndio de Portugal, já terá ocorrido há muito tempo atrás, quando na realidade este varreu a nossa paisagem entre 13 e 17 de Agosto… afinal a memória é curta.
Por outro lado, este ano não é o ano indicado para se falar de incêndios, e quem ousar escrever sobre eles muito provavelmente passará a ser apelidado, por uma certa casta política entenda-se, de terrorista. Afinal este ano é ano de eleições autárquicas e as máquinas partidárias esmagarão quem infringir esta regra.
Pois bem, não falemos de incêndios, mas no recanto dos nossos pensamentos tenhamos a ousadia de elaborar algumas reflexões em jeito de questões.
E a primeira reflexão a fazer deverá ser: qual o motivo para que os incêndios de 2025 tenham ocorrido em parte da mesma área geográfica que em 2017 foi consumida pelo mesmo flagelo?
Depois, uma segunda reflexão surge naturalmente e que é a seguinte: quanto foi investido desde os incêndios de 2017 nos territórios agora afetados pelos incêndios de 2025?
Uma outra reflexão não deixa de se impor e que será: quem foi responsável pela gestão, sinalização e aplicação das verbas decorrentes dos apoios concedidos no âmbito das verbas mobilizadas pelos incêndios de 2017?
E poderia continuar a lançar reflexões em jeito de questões que todos os lesados pelo flagelo dos incêndios sabem bem quem são os responsáveis mas que, em abono da verdade, não é conveniente falar-se deles.
Tenho a certeza de que os pequenos proprietários, os idosos, os pensionistas com reformas miseráveis e que não têm dinheiro para limpar os seus terrenos, como a lei impõe, serão, provavelmente, os menos culpados.
E o diagnóstico é sempre o mesmo: abandono do interior do País, falta de rentabilidade da floresta, desordenamento do território, ausência de incentivos à fixação de jovens em atividades agrícolas, etc, etc, etc.
Mas este não é o momento para se falar disto, afinal vamos ter eleições autárquicas!
Enquanto isso vamos bradando aos céus que tivemos o maior incêndio do País, e com isso lá teremos o argumento para reclamar mais uns milhões para estes territórios, dinheiro esse que os pequenos proprietários, os idosos e os pensionistas com reformas miseráveis, seguramente pouco ou nenhum receberão.
Mas este não é o momento para se falar disto, afinal vamos ter eleições autárquicas!
Depois, e volvidos poucos dias do maior incêndio de Portugal, apenas uns quantos se recordarão da dor que foi ver a Serra do Açor a arder… afinal que melhor solução para essa dor do que vestirmos a cor da paz e desfilarmos alegremente ao som das músicas da moda.
Que melhor forma de esquecermos o maior incêndio de Portugal que não seja celebrarmos na rua a felicidade de estarmos vivos!
E porque não perguntar quanto será, ou foi, gasto em tantas festas e festanças e que melhor destino esse dinheiro teria se fosse canalizado para apoiar aqueles que necessitam de apoios para recuperar os seus negócios, entre empresas agrícolas e de turismo.
Mas este não é o momento para se falar disto, afinal vamos ter eleições autárquicas!
Como se não bastasse, nunca assisti a um ataque de tamanha dimensão, muitas vezes injusto, a todos aqueles que integram a componente operacional da Proteção Civil, com o aparente beneplácito de quem tem funções Governativas.
Mas este não é o momento para se falar disto, afinal vamos ter eleições autárquicas!
Termino recordando um provérbio popular que vem do tempo dos romanos: com festas e bolos se enganam os tolos.
Mas este não é o momento para se falar disto, afinal vamos ter eleições autárquicas!
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)