
Começo esta nota da semana dando destaque ao título que escolhi para a mesma, ou seja, “O ultimo General”, confessando que o mesmo foi inspirado na recente biografia escrita por Isabel Tavares e dedicada ao General Ramalho Eanes.
E isto porque não encontrei melhores palavras para classificar, ou mesmo designar, a figura incontornável do antigo Presidente da República, por sinal o 16º e seguramente o primeiro eleito democraticamente, e que no passado dia 25 de Janeiro celebrou noventa anos.
Foi em Alcains, Castelo Branco, que António dos Santos Ramalho Eanes nasceu em 25 de Janeiro de 1935, sendo parte de uma plêiade composta por mais três irmãos e seus pais, Manuel dos Santos Eanes, modesto empreiteiro, e Maria do Rosário Ramalho, doméstica.
Em miúdo quis ser médico, padre e militar, acabando por optar por esta última, seguramente como reflexo da necessidade de uma família humilde assegurar os estudos para os seus irmãos.
Ser médico implicava uma despesa avultada para os modestos rendimentos familiares, ser padre esteve logo fora de congeminação, e isto por falta da autorização materna, cujo maior desejo era ter netos, restando a António dos Santos Ramalho Eanes ser militar, tendo entrado na Escola do Exército em 1952.
Quis o destino que a escolha dessa carreira, não apenas viesse a corresponder ao desejo e personalidade do então jovem, mas acima de tudo se tivesse vindo a revelar essencial para o futuro do País.
Fez várias comissões militares em cenário de Guerra ultramarina, passando por três frentes (Moçambique, Guiné e Angola), e apesar de estar em Angola aquando do 25 de Abril de 1974, foi dos primeiros a subscrever o início da contestação dos militares ao antigo regime.
Antes tinha estado em Comissão nas “províncias” de Goa (Maio de 1958 a Agosto de 1960) e Macau (1962-1964).
Mas o General Ramalho Eanes marcou a história politica mais recente do País, por ter sido um dos elementos essenciais para que a extrema-esquerda não tivesse “sovietizado” a Sociedade Portuguesa, através do controle e hábil gestão do 25 de Novembro.
Esse evento, independentemente do peso ideológico que lhe é atribuído, com maior, ou menor valorização, consoante se seja de direita ou de esquerda, foi crucial para a reposição da Democracia em Portugal, travando a loucura do PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Terá sido o Homem certo, no lugar certo, mas seguramente foi um Homem corajoso para afrontar e estancar os desvarios “esquerdilheiros” que encaminhavam o País para uma ditadura socialista.
Não terá sido por acaso que Políticos como Mário Soares e Francisco Sá Carneiro, dois Estadistas, lhe reconheceram o mérito e lhe dedicaram o apoio à sua primeira candidatura ao cargo de Presidente da República, culminando na tomada de posse em 14 de Julho de 1976.
Anos mais tarde, e apesar das divergências com Francisco Sá Carneiro, o profundo respeito que por ele nutria, fizeram-no chorar aquando da morte do então Primeiro-ministro no atentado de Camarate, em 4 de Dezembro de 1980.
E o General sempre reconheceu o poder político, e os Partidos, como o pilar central da Democracia, razão pela qual, em 1982, ainda que discordando de alguns aspetos da então Revisão Constitucional, a executou, destacando-se a extinção do Conselho da Revolução.
Foi ainda durante o seu segundo mandato que Portugal aderiu à Comunidade Económica e Europeia (CEE), isto em 12de Junho de 1985, contando como Primeiro-ministro, Mário Soares.
Depois de ter saído da Presidência da República, em Março de 1986, dedicou-se a um percurso académico, talvez por ter sempre procurado estudar os assuntos com que se deparava durante a estadia no Palácio de Belém, acabando por obter o grau de doutoramento, em 15 de Novembro de 2006, na Universidade de Navarra, com a tese intitulada “Sociedade Civil e poder político em Portugal”, perante um Júri de 3 Catedráticos espanhóis e 2 portugueses.
Já em 11 de Outubro de 2010 recebeu o doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, no ano do Centenário da implantação da República.
Também neste particular da vida académica o General foi pioneiro, não conhecendo registo semelhante de igual percurso na Europa.
Não obstante estes aspetos do percurso de vida de António dos Santos Ramalho Eanes serem algo de bastante distintivos, existem outros que, pela sua simplicidade, e acima de tudo por serem reveladores do seu carácter, merecem um destaque especial.
O primeiro, foi o facto de ter sido promovido, em 24 de Maio de 1978, ao posto de General, à revelia do próprio, uma vez que o mesmo era renitente a essa mesma promoção.
E neste particular há que ser realçado que a sua promoção foi concretizada quando, em viagem de Estado enquanto Presidente da República, este não se encontrava no País.
O segundo, foi o de ter recusado ser promovido ao posto de Marechal, quer em 2005 e agora mais recentemente, ao mesmo tempo que recusou, em 2008, receber cerca de um milhão de euros referente a retroativos a que tinha direito.
Já para não falar de toda a sua preocupação com o erário público, sendo conhecido por ser bastante austero durante a sua passagem pela Presidência da República, ao ponto de procurar controlar os Km realizados pelos seus assessores, contando-se ainda episódios de devolução de ajudas de custo que não tinha gasto.
Poderão parecer aspetos menores ou miserabilistas na vida de um militar que acabou por ter de se tornar político (Em Agosto de 1986 chegou a ser Presidente do Partido que ajudou a criar – Partido Renovador Democrático/PRD), mas são, acima de tudo, traços da sua personalidade que lhe permitem estar acima de muita da mediocridade que por aí vai desfilando.
António dos Santos Ramalho Eanes, o último General, é um dos últimos “Senadores” da Democracia Portuguesa, que com o seu exemplo ainda permite a existência de referenciais sobre o que é correto ou incorreto na vida Politica…e Militar.