NOTA DA SEMANA: Os democratas que silenciam a Democracia

No passado sábado tive a oportunidade de ler um profundo artigo, da autoria de António Barreto, publicado na edição do jornal Público, passe a publicidade, do mesmo dia e intitulado “Democracia e boa educação”.

Antes de tudo, António Barreto é uma personalidade insuspeita, não apenas pelo seu percurso cívico e político, mas acima de tudo pela sua extraordinária capacidade para refletir de forma critica sobre a evolução contemporânea da nossa Sociedade, especialmente no pós 25 de Abril de 1974.

Vem esta referência a propósito dos recentes acontecimentos na casa da Democracia em Portugal, ou seja, o nosso Parlamento, e os abusos de linguagem nele perpetrados, cujo último episódio ocorreu sobre uma deputada, por sinal oriunda da nossa região, à qual foram feitos comentários nada agradáveis sobre o seu estado físico e limitações que dele possam decorrer.

Antes de mais, tais comentários, ou apartes como agora se designam as faltas de educação na Assembleia da República, devem ser repudiados e considerados inaceitáveis, sem no entanto deixar de se olhar para estes acontecimentos e pensar, criticamente, sobre os motivos de tais incorreções comportamentais.

Para tal implica recuar no tempo, recordando que tais apartes (ou faltas de educação) sempre existiram, com maior ou menor grau de intensidade, sendo que, nos últimos 20 anos, estes passaram a ganhar maior ímpeto e dimensão, com o contributo da existência do Canal Parlamento que regista, diariamente, as reuniões do plenário, permitindo dessa forma a ampla divulgação junto dos meios mediáticos e, agora, através das redes sociais.

Quem não se recorda dos gestos de José Sócrates e Manuel Pinho, brindando alguns dos deputados da Assembleia da República, ou os comentários das irmãs Mortágua para as bancadas ideologicamente à direita?

Aliás, o Bloco de Esquerda inaugurou uma nova forma de apartes quando chegou ao Parlamento nas legislativas de 1999, logo com um momento quixotesco protagonizado por Francisco Louça e Luís Fazenda. Aparentemente já ninguém se recorda, isto para não falar da forma ríspida e agressiva com que as ilustres irmãs desse Partido se dirigem, habitualmente, a Ministros, Secretários de Estado e colegas deputados de outras bancadas.

Tudo isso com o apanágio e conforto de uma certa comunicação social, que nessas intervenções via, e ainda vê, os benefícios de uma certa cultura de rebeldia apenas aceite à esquerda (extrema) anticapitalista, que defende uma Democracia radical para as maiorias populares. Vá-se lá saber o que quererá isso dizer. Os ignorantes, como eu, chamamos-lhe, simplesmente, DITADURA.

Mas tantos outros comportamentos estarão no registo da história do Parlamento Português e nenhum Partido que hoje tenha assento parlamentar, ou por lá tenha passado, se livra da sua dose de excesso.

Palavras assertivas teve Paulo Núncio, do Centro democrata Cristão (CDS), quando apontou o dedo à hipocrisia de alguns dos Partidos Políticos por agora, resultado do triste e lamentável acontecimento perpetrado pelo CHEGA, apelarem à necessidade de comportamentos mais aceitáveis.

Ora, foi para isso que António Barreto alertou, e para os perigos dos “democratas bem-comportados, alinhados e cinzentões” apelarem à existência e reforço de Códigos de Conduta, sanções e multas, acabando por se definir o que é aceitável no debate politico e limitando a liberdade na forma como se discute política.

Antes de tudo isso, importa olhar para quem lidera a Mesa da Assembleia da República na atualidade e comparar com o passado recente.

Hoje, o Presidente da Mesa da Assembleia da República, Aguiar Branco, tem mantido uma postura firme na defesa da liberdade do combate político, mas sem deixar de reprender todas as bancadas, incluindo os seus extremos, sendo públicas e bem difundidas as suas atuações.

Ao mesmo tempo, tem responsabilizado todas as bancadas parlamentares, exigindo-lhes o assumir de responsabilidades nas decisões sobre limitações aos comportamentos.

Já o anterior Presidente, Augusto Santos Silva, sempre foi tão punitivo com as bancadas da direita como foi permissivo com as bancadas da esquerda, especialmente a sua extrema-esquerda.

No passado recente, foi negada a possibilidade de inclusão de um representante do CHEGA na Mesa da Assembleia da República, contra todas as regras regimentais do Parlamento, suscitando, legitimamente, a reação que se verificou por essa força politica e que colheu no eleitorado, possibilitando-lhe eleger 50 deputados.

Hoje, a Mesa da Assembleia da República tem representantes do CHEGA, os quais, com destaque para Amorim Pacheco, reprenderam com mais veemência os deputados do seu Grupo Parlamentar do que qualquer um dos outros fez ao seu respetivo grupo.

Contudo, dizer isto e frisá-lo é, pela natureza dos cânones que nos desejam impor, “pecado mortal”, ou apologia a um qualquer regime fascista!

Nesse sentido, é importante perguntar-se: os que se apresentam como arautos da Democracia e “bons costumes” desejam, angelicalmente, cuidar da qualidade do debate, ou, pelo contrário, calar, hoje, o CHEGA e amanhã todas as formações políticas que, simplesmente, discordem dos outros?

Se, porventura, quisermos comparar o Parlamento a uma sala de Jardim de Infância, será bom recordarmo-nos que somos nós, cidadãos eleitores, que lá colocamos as crianças para brincarem com as nossas vidas.

Se, porventura, quisermos impor limitações à linguagem aos deputados, será bom pensar que esta é o reflexo da Sociedade que temos, e nesta o discurso de um académico, um militar, um agricultor, um capitalista, um jurista, um analfabeto, ou mesmo um citadino e um rural, não é o mesmo e nem este integra as mesmas expressões.

Ou será que iremos passar a ter classificações mínimas para se ser deputado e currículos obrigatórios?

A mediocridade instalada é transversal a todas as bancadas, pois em cada uma delas existe um certo número de deputados cuja entrada nas listas é feita por carreirismo que começa nas “jotas”, com dever de lealdade cega ao chefe e por não se saber fazer mais nada, ou então para pagamento de sacrifícios e favores ao Partido e às suas lideranças.

Termino citando o que António Barreto, nesse magnífico artigo que nos deve convocar a todos para uma reflexão profunda sobre o que vale e deve ser a nossa DEMOCRACIA, disse: “…quem espera por regras morais e normas de conduta espera, na verdade, poder impor uma forma de moral aos outros, aos deputados e aos que o não são.”

Palavras sábias, cabe-nos entendê-las e enviar as crianças para o recreio, deixando os adultos tratar dos assuntos sérios.