
Nas últimas semanas o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem estado na ordem do dia, muito especialmente pelos constrangimentos que conduziram ao encerramento de urgências na especialidade de obstetrícia, situação que teve maior dimensão mediática em resultado da perda da vida de um bebé, embora as causas estejam ainda em averiguação.
De repente, e depois de dois anos em pandemia, o País descobre aquilo que sempre soube e que é o facto de que o nosso SNS necessita de uma profunda reorganização e adaptação a uma realidade nova e em que os problemas da saúde dos Portugueses são diferentes, fruto do aumento da esperança média de vida e do crescimento de patologias associadas, entre outras.
Contudo, o que não se vislumbra no horizonte dos políticos é a discussão de outro SNS, e neste caso bem mais abrangente, falo pois do Sistema Nacional de Saúde, no qual se incluem a oferta pública, privada e social.
Com efeito, a grande conquista do 25 de Abril e da democracia, não foi apenas a criação de um Serviço Público de Saúde, foi antes o estabelecimento da possibilidade do acesso de qualquer cidadão a qualquer oferta de saúde junto de diferentes operadores, sejam eles do Estado, do Privado e do Social.
Sucedeu porém, nos últimos anos, que a visão redutora das conquistas de Abril conduziram ao desaparecimento de importantes parcerias com o Setor Privado, nomeadamente no funcionamento de Hospitais como Braga, Vila Franca de Xira, Loures e Cascais.
Estes Hospitais foram considerados pelo Tribunal de Contas como genericamente mais eficientes, face à oferta pública, gerando poupança para o Estado e tendo aumentado o número de cuidados prestados face ao inicialmente contratado com a tutela da saúde.
Curiosamente, ou talvez não, uma parte dos problemas recentemente noticiados ocorreram nesses mesmos hospitais e após o fim dos contratos existentes entre os Privados e o Estado.
Chegados aqui, impõe-se que faça uma ressalva, não é por isso que eu deixo de defender a existência de um Serviço Nacional de Saúde de cariz público, mas também é por isso mesmo que a oferta e o trabalho dos outros Setores tem que ser acautelado e incorporado no mesmo desígnio nacional da promoção da saúde para todos os Portugueses.
Nesse sentido, a discussão que se impõe não é que Serviço Nacional de Saúde desejamos, é antes, que Sistema Nacional de Saúde pretendemos, e sem esta discussão as premissas de Abril nunca serão concretizadas.
É difícil para alguns políticos entender e aceitar isto? É claro que sim.
Por agora, entretemo-nos a discutir se há, ou não, falta de médicos e de enfermeiros, se estes e outros profissionais são, ou não, bem remunerados, se os hospitais estão, ou não, equipados e se houve, ou não, investimento na Saúde em Portugal.
Ora é bom que se perceba, de uma vez por todas, que nunca o Serviço Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde tiveram tanto dinheiro como agora, e nunca tantos profissionais tiveram nos seus quadros como na atualidade.
A essa equação é bom que se junte que os residentes em Portugal, desde 2011 até 2021, reduziram em mais de 214 mil pessoas, ou seja, menos 2% de pessoas para tratar.
Obviamente estamos mais velhos, e com isso os problemas de saúde tendem a aumentar, mas não será displicente deixar de se referir que os recursos do nosso Serviço Nacional de Saúde têm crescido significativamente ao longo dos tempos e os gastos com saúde em Portugal eram, em 2020, 10,2% do PIB Nacional.
Que sucede então, para que este problema do SNS se tenha tornado crónico?
Antes de tudo a falta de eficiência dos serviços e a respetiva gestão, ou falta dela, depois o preconceito ideológico, e por último, a “guerra” no controle do acesso ao exercício de algumas profissões, desvirtuando a componente da oferta e da procura dos profissionais de saúde.
E qualquer um desses temas é demasiado fraturante para ser encarado, e talvez por isso continuaremos a ter um Serviço Nacional de Saúde e não um Sistema Nacional de Saúde e o que os Portugueses merecem é, efetivamente, um Sistema Nacional de Saúde capaz de incorporar todo o tipo de oferta em prol de um objetivo comum que é, tão só, a Saúde dos Portugueses.
NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)