NOTA DA SEMANA: Nunca me engano e raramente tenho dúvidas!

Nunca me engano e raramente tenho dúvidas”, esta será uma das expressões mais controversas das últimas décadas no panorama político nacional, sendo voz corrente terem sido proferidas por Aníbal Cavaco Silva, à data Primeiro-ministro de Portugal.

Apesar de, por diversas vezes, o suposto autor da frase ter desmentido a sua origem, referindo não se lembrar de a ter pronunciado daquela forma, esta colou-se de tal modo à figura pública que, tenha sido verdade ou não, o povo não lhe retira a responsabilidade moral da autoria.

Na realidade, a expressão em causa há muito que está associada ao antigo Presidente da República, desde logo pela forma obstinada e teimosa com que lidava com as questões do País, nomeadamente com as de natureza económica, ou não fosse a sua formação académica – Economia.

Dito isto, não é menos verdade que os anos de maior crescimento económico do Pais, e de maior investimento em infraestruturas nacionais, tivessem sido exatamente aqueles em que liderava o Governo Português, para o qual foi eleito três vezes como Primeiro-Ministro, duas delas com maiorias absolutas.

Podemos criticar a sua obstinada forma de lidar com as oposições, ou até mesmo a sua persistente obsessão com a dívida pública e os défices nacionais, mas não podemos escamotear o salto qualitativo que o País deu durante os seus anos de governação, através do maior aproveitamento de que há memória dos fundos estruturais enviados pela Comunidade Europeia.

Ao longo dos anos, e depois de abandonar a vida política ativa, primeiro como Ministro e depois como Presidente da República, regista-se que os parcos artigos que escreveu antecederam sempre o colapso da economia nacional.

Certamente estamos recordados do apelidado “Monstro” associado à gigantesca máquina do Estado que tudo consume em seu redor, desbaratando a riqueza do País e aprisionando a iniciativa privada.
Sucede, porém, que o homem que “nunca se engana e raramente tem dúvidas” deu à estampa um artigo em que fala do “Empobrecimento e silenciamento” do País o que, por si só, deveria ser alvo das mais atentas reflexões.

Deduzidas as picardias políticas que o mesmo encerra, devemos reduzir ao essencial o texto, e o essencial é a economia e o estado da arte em Portugal no que a isto diz respeito.
Há mais qualidade de vida?

Penso que ninguém terá dúvidas disso, afinal vivemos todos melhor do que há 60 anos atrás.

Mas essa qualidade de vida traduziu-se num crescimento económico compatível com o nível de vida que levamos? “Aqui é que a porca torce o rabo”!

Durante a década de 90 do século XX gostávamos de dizer que já tínhamos ultrapassado a Grécia no crescimento do PIB e na média de crescimento económico ao ano.

Hoje, olhamos para o ranking europeu e constatamos que somos ultrapassados pelos antigos países de leste, enquanto continuamos a afundar na tabela da União Europeia.

Percebemos que o nosso PIB continua a crescer em percentagem inferior ao de outras economias, enquanto a nossa dívida atinge os lugares cimeiros do ranking mundial.

Constatamos ainda, que o nosso grau de dependência do financiamento europeu, quer para Investimento, quer para despesas correntes é assustador!

Na realidade, não fosse o Banco Central Europeu, e as taxas de juros artificialmente baixas por atuação desta entidade europeia, não tínhamos dinheiro para sobreviver enquanto País soberano.

Atualmente, temos uma divida pública nacional de cerca de 136% do PIB, mas quando deixou o Governo, Aníbal Cavaco Silva deixou uma divida de 61,60%, algo impensável nos dias de hoje por esse mundo fora.

Especialmente se considerarmos que o valor da divida tinha um reflexo direto no investimento realizado nessas décadas, e traduzia ainda saltos qualitativos nos níveis de proteção social que até aí nunca tinham existido.

Verificamos ainda, que a média anual de crescimento económico nas duas décadas do século XXI que já levamos é de pouco mais de 0,5%, enquanto a produção por habitante reduziu para níveis inferiores a 1995.

Se tivermos com muita atenção, e começarmos a olhar para os sinais que por aí andam, facilmente detetamos que as condições que conduziram ao descalabro económico que ditou a vinda da “Troika” estão, novamente, a perfilarem-se no horizonte e que quando todas elas estiverem alinhadas teremos uma nova crise, com probabilidade de ser ainda mais grave do que a que nos antecedeu.

A Dívida continua em níveis elevadíssimos e com tendência a crescer.
A despesa do Estado voltou a aumentar como não se via alguns anos atrás.

Esse crescimento não foi em aumento de investimento, mas antes em despesa fixa.

A descentralização de competências só será eficaz se com ela vier um aumento do encargo financeiro com as autarquias e as Comunidades Intermunicipais, e ainda não entrou em jogo a regionalização.

A criação de postos de trabalho, ao contrário do que se vai dizendo, tem sido a custo do Setor Estado e não do Setor Privado.

As exportações não conseguem atingir os valores registados após a saída da “Troika”.

Logicamente a pandemia não ajudou em nada, mas esta também afetou todas as demais economias e a forma como muitas delas estão a reagir é bastante mais eficiente do que a nossa.

Hoje, continuamos a discutir o acessório e o volátil, na expetativa de que a vinda de mais dinheiro da Europa resolva o problema nacional.

O problema é que esse dinheiro vai ser engolido pelo Estado como tem sucedido nas últimas décadas, assegurando o pagamento de despesas que o orçamento nacional já não consegue suportar.

Quanto ao resto resolve-se por decreto, esta é a forma nacional de resolvermos as coisas.

Aumente-se o Salário Mínimo Nacional – alguém paga.
Contrate-se mais gente para o Estado – alguém paga.

Por seu turno, a economia real continuará à míngua, o Setor Privado sobrecarregado com mais despesas e o Setor Social sem o apoio necessário.

É por isso que gostava que o autor da frase “nunca me engano e raramente tenho dúvidas”, pelo menos desta vez, estivesse equivocado…

NUNO GOMES (Director de A COMARCA DE ARGANIL)